quarta-feira, 14 de maio de 2014

Sobre os perfumes


Perfume: um aroma que acompanha o homem por toda a sua história

Por Sâmia Maluf*

O olfato é um dos sentidos mais aguçados do ser humano. É por ele que detectamos o perigo – como algo queimando – , o que nos agrada e desagrada e até o que nos emociona, afinal, existe uma memória olfativa que nos remete aos doces ou amargos sabores da infância apenas sentindo um aroma.

Quem não se lembra do cheirinho da comida da mãe, da alfazema que a avó usava, do ‘cheiro do namorado’, do doce aroma das festas natalinas? Há quem diga que determinadas flores trazem o cheiro da morte por ter vivido uma experiência traumática. Outros, buscam nas mesmas flores o aroma de um local do qual se lembra com saudade...

Para estar em contato direto com suas emoções, o homem criou o perfume. Os primeiros indícios do uso de perfume são de aproximadamente 5 mil anos atrás. O contato do com os aromas foi provavelmente por acaso: uma folha ou flor teria caído sobre o fogo, gerando uma fumaça odorizada. Foi assim que, ainda na Pré-História, as plantas começaram a ser usadas para proporcionar odores. Pelos hieróglifos, sabemos que, num templo egípcio de Thebes uma rainha usava mirra e incenso, iniciando-se uma afinidade do aroma com a religião e os deuses. Para dar proteção física e espiritual, queimava-se nos templos, ao cair da noite, o envolvente aroma Kyphi, composto por mais de 80 ervas.

Na antiguidade, o termo odor era ligado apenas ao olfato. A palavra perfume foi adotada apenas séculos depois, quando os romanos levaram do Egito a Roma o hábito de aromatizar ambientes com óleos essenciais das plantas. O paladar uniu-se ao olfato e as essências passaram a ser usadas também em bebidas, como os vinhos. Essa junção teria dado origem ao termo, que ganhou significado bem mais abrangente do que um simples odor.

Para sua terra, os romanos levaram, também, a cultura dos banhos orientais, criando os balneários. Saudavam nobres e até gladiadores com pétalas e água de rosas. Eles adaptaram os banhos aromáticos dos orientais, de natureza higiênica, e os transformaram em verdadeiros encontros sociais. Mais tarde, esse lado social ganhou conotação de libertinagem sexual, e os banhos coletivos viraram bacanais. Podemos dizer que, por isso, quando se fala em casas de banho, saunas e massagens, para muitos vem a ideia da prostituição.

Os aromas da natureza continuaram a ser utilizados como proteção ao longo dos tempos. Jesus Cristo, ao nascer, recebeu três presentes dos reis magos: ouro, incenso (olíbano – resina usada em turíbulos nas igrejas) e mirra. Maria Madalena, ao lavar os pés de Cristo num gesto de devoção e fé, usou óleos de nardo e valeriana, de origem asiática.

Nas cruzadas, as essências tinham uso terapêutico: a mistura de mirra e olíbano com gordura animal fechava cicatrizes. Em 1223, o papa Gregório IX proibiu o uso de óleos e aromas na medicina, e eles ficaram restritos aos perfumes. Na província francesa de Grasse – até hoje conhecida como o berço dos perfumes –, os químicos sintetizavam as substâncias e começavam a elaborar perfumes em grande escala.

Ainda na Idade Média, o perfume era restrito à camada nobre da população, e ganha a função de seduzir, principalmente a mulher para com o homem. Era uma forma de poder, como mostrou a rainha Isabel de Castela, ao incentivar os navegantes, a caminho das Índias, a levar especiarias e óleos essenciais, que passaram a ter valor comercial. No século 16, outra mulher poderosa, Catarina de Médici, sai da Itália para se casar com Henrique, futuro rei da França. Usando perfume feito em Paris com alecrim, conhecido por seus efeitos rejuvenescedores, cria uma moda e os aromas passam a ser processados industrialmente.

O olfato é o mais poderoso dos sentidos, porque afeta em níveis físico, psicológico e social. Somos bombardeados por aromas o tempo todo, e escolhemos produtos de consumo pelo seu cheiro, que pode aproximar ou afastar. Até mesmo as pessoas podemos definir e selecionar pelo aroma. É pelo odor que os animais identificam parceiros e inimigos, e pressentem situações de proteção ou de perigo. Já as plantas utilizam os aromas para procriar.

Ao contrário das cores, o aroma é uma das coisas mais difíceis de se definir. Apesar de não ser palpável, o cheiro é algo que se conhece desde o nascimento. Provoca reações fortes por estar ligado ao sistema límbico e de sobrevivência da espécie. Pode gerar lembranças eternas, ao remeter a mente a antigas situações e experiências, boas ou ruins. Essa descoberta que fiz, como psicóloga, me levou a estudar a aromacologia.

A partir do século 20, essa ciência se transformou em marketing de divulgação de marcas. Caminha paralelamente à alta costura, permitindo o acesso a pessoas que não teriam condições de ter uma roupa de determinada grife – Chanel, Givenchy, Dior e Paco Rabanne, só para citar algumas. A aromacologia também criou profissões específicas, como a dos aromistas ou flavoristas, que adicionam aromas aos alimentos.

Se, nos primórdios, matavam-se animais para fazer os fixadores dos perfumes, tidos como afrodisíacos, e, no século 20, usavam-se vidros requintados e caros, seu uso hoje pode ser corriqueiro e acessível. O perfumista Charles Pief introduziu o sistema piramidal de classificação das notas aromáticas: altas ou de cabeça (cítricas); médias ou de coração (florais); e baixas ou de fixação (amadeiradas). As notas cítricas e herbais têm mais a ver com nosso clima quente e úmido, e com a pele oleosa do brasileiro.


*Sâmia Maluf é formada em psicologia, com especialização em adicções, depressão e síndrome do pânico. Possui formação em Aromaterapia e é autodidata em Aromacologia (ciência que estuda o aroma – dos óleos essenciais às essências sintéticas – no comportamento humano como meio de evocar memórias e sensações). Trabalha atendendo pacientes e como consultora para empresas e spas em todo o Brasil. Mais informações ser obtidas no site www.bysamia.com.br. Contatos também pelo telefone (11) 3679-8001 e pelo e-mail atendimento@bysamia.com.br.